Fazia uma bonita manhã de sol em Belém, no dia 5 de julho de 1970, quando o estudante do primeiro ano do curso de farmácia Jeová Marques embarcou em um avião com destino a Macapá. Era o começo das férias e Jeová estava ansioso para encontrar a família e os amigos que o esperavam na cidade natal. No entanto, a viagem demorava mais que o habitual. Cerca de 50 minutos já tinham se passado e a aeronave ainda não havia entrado em procedimento de pouso.
De repente, Jeová e outros cerca de 60 passageiros que estavam a bordo do modelo Samurai YS-11, prefixo PP-CTJ, da companhia Cruzeiro do Sul foram avisados de que o avião não pousaria mais em Macapá. Da cabine, o comandante comunicou que a aeronave havia sido sequestrada pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e que seu novo destino seria a cidade de Havana, em Cuba, distante mais de 4 mil quilômetros da capital amapaense.
A partir daquele momento, um homem que se identificou como Mário Vitor Troiano, assumiu o controle do interfone e comunicou que o sequestro era um protesto contra a ditadura militar que havia se instalado no Brasil, no ano de 1964. O terrorista instruiu os passageiros a permaneceram sentados e sem falar uns com os outros. Caso não fosse obedecido, iria explodir a aeronave com dois frascos de nitroglicerina, que dizia trazer consigo.
O aviso trouxe pânico aos passageiros, que cumpriram as ordens sem esboçar reação. Pela janela do avião, Jeová viu as tão sonhadas férias se transformando em pesadelo. “Eu pensei que ia morrer porque naquela época havia muitos sequestros de avião e alguns não foram bem-sucedidos. Então houve explosão de aviões. Era um momento de terrorismo mesmo no Brasil” recorda Jeová.
Não era possível ir direto de Macapá para Cuba porque o avião não tinha autonomia de voo para longas viagens, mas o sequestrador tinha um plano que envolvia várias paradas para reabastecimento da aeronave. Por isso, o militante do MR-8 ordenou que o piloto seguisse para a Guiana Francesa, informasse o sequestro e pedisse permissão para pouso. Pedido aceito, começou a negociação pela libertação de reféns.
Depois de três horas, um acordo foi fechado. O avião seria reabastecido e autorizada a decolar novamente. Em troca, os passageiros poderiam desembarcar. A notícia trouxe alívio e esperança, mas não para todos. O sequestrador temia que algo saísse do controle e, por precaução, resolveu manter um grupo de 8 pessoas como reféns. Entre eles, estava Jeová, que seguiria viagem para Georgetown, na então Guiana Inglesa.
Em Georgetown, o governo permitiu o pouso do avião, mas não queria atender as outras exigências do sequestrador. Enquanto a tensão aumentava, o Samurai estava na pista com os motores desligados, em pleno verão amazônico, submetendo os ocupantes a um calor sufocante. O terrorista queria ir para Porto Príncipe, no Haiti, mas a aeronave não tinha combustível suficiente para a viagem e o governo da Guiana se negava em abastecê-la, como forma de pressioná-lo a desistir do plano e se entregar a polícia local.
Cerca de 10 longas horas se passaram para finalmente se chegar a um acordo. Os passageiros foram libertados, mas a tripulação seguiria com o sequestrador para o novo destino. Exaustos física e psicologicamente, Jeová e os outros reféns foram alimentados, receberam assistência psicológica e jurídica do consulado brasileiro. Vinte e quatro horas depois foram repatriados por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que os levou para Manaus.
Três dias depois, Jeová pegou outro voo da Cruzeiro do Sul e desembarcou em Macapá sem sustos ou surpresas desagradáveis. O avião sequestrado chegou a Cuba e a tripulação foi libertada sem o registro de violência física. Cinquenta e dois anos depois do incidente, a checagem feita pelo blog, revela dois fatos que, até então, nem os reféns tinham conhecimento: o homem que sequestrou o avião não era Mario Vitor Troiano e a substância com a qual ele ameaçou explodir a aeronave não era nitroglicerina.
De acordo com a revista do Clube da Aeronáutica, de 1969 a 1970, pelo menos 10 aviões foram sequestrados no Brasil e levados para Cuba. Inquéritos policiais da época apontam que Mário Vitor Troiano sequestrou um avião que tinha saído de Manaus (AM) para Santarém (PA) no dia 12 de novembro de 1969. O terrorista era argentino, nascido em Córdoba e tinha 33 anos.
Já o homem que se apresentou com o mesmo nome e desviou o avião do Amapá para Cuba em 5 de julho de 1970, na verdade se chamava Carlos Alberto de Freitas, tinha 28 anos, nasceu em Belo Horizonte e era professor de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao desembarcar em Havana, as autoridades locais constataram que os fracos com os quais Carlos rendeu a tripulação continham apenas um inofensivo óleo de cabelo. Sem saber que o terrorista estava blefando, a tripulação e os governos que negociaram com o sequestrador atenderam as exigências dele e garantiram a integridade física dos funcionários e passageiros.
Depois destes sequestros não há mais registros de outras atividades terroristas de Carlos Alberto. Procurado pela polícia brasileira, resolveram dar um tempo em Cuba. Recuperado do trauma, Jeová retomou os estudos e construiu uma carreira acadêmica brilhante como pesquisador da Universidade Federal do Amapá. Ele terminou o curso de farmácia, fez mestrado, doutorado e hoje ocupa uma cadeira na Academia Brasileira de Farmácia.

